No artigo anterior, tratei do substitutivo ao Projeto de novo CPC apresentado por Diretores do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP à Câmara dos Deputados. Destaquei o elevado valor do trabalho e ressaltei o que entendi como pontos positivos. Passo aqui a apresentar respeitosas e construtivas críticas a algumas das opções constantes daquela proposta. Certamente, as observações haverão que ser recebidas como uma proposta ao debate.
Concentro-me, para tanto, em três pontos.
O primeiro diz com a proposta constante do art. 98-A, de criação de “um Fundo para o qual devem ser recolhidas as sanções e as multas aplicadas por quebra do princípio da lealdade”, com o escopo de “modernização” da Justiça em seus diferentes níveis, com “ampla participação”, inclusive da “sociedade civil”.
Ninguém, em sã consciência e com seriedade de propósitos, pode ser contra a modernização do Poder Judiciário. Contudo, a questão é estabelecer como a ela se pode chegar. Sobre isso, com o exclusivo intuito de estimular o debate (que poderá até valorizar a proposta), faço as seguintes ponderações.
Modernização não é conceito que dependa apenas de recursos financeiros porque se esses são mal direcionados – e a experiência autoriza dizer que gestão não tem sido exatamente o forte nessa matéria – o incremento na captação de receitas só gerará ainda maiores distorções.
Além disso, respeitadas opiniões em contrários, vejo com maus olhos a vinculação entre má fé processual e captação de recursos para o Judiciário. Num sistema sobrecarregado, é conhecida a tendência de alguns tribunais a qualificar o exercício do direito de ação e dos recursos como formas de protelação e de agravamento da sobrecarga. Vale dizer: a multa, que deveria ser excepcional e que é pensada para reprimir condutas verdadeiramente abusivas, corre o sério risco de se tornar quase um instrumento de política judiciária, apta à contenção de ações e recursos.
Ao se estabelecer que a multa reverta, ainda que indiretamente, para o próprio órgão que a aplica- e sem que aí se divise situação patológica – reforça-se o risco acima descrito. No ordenamento, salvo melhor juízo, o direcionamento de valores de multas para Fundos usualmente contempla outros beneficiários; não o próprio órgão que aplica a sanção. Se a regra proposta não afronta a moralidade e a impessoalidade – suposto que tais regras se dirijam apenas ao Administrador e não ao Legislador – é preciso melhor reflexão sobre tal expediente. Há outras formas de modernizar o Judiciário e a pressão por maiores recursos deve ser feita de outra forma que não a exploração das mazelas do sistema.
O segundo ponto diz com a proposta de revogação da regra do art. 187, que prevê a suspensão do curso do prazo processual entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, durante o qual não devem ser realizados audiências e julgamentos colegiados. O fundamento para a revogação é que a regra proposta estaria a criar verdadeiro “feriado forense”, incompatível com a regra segundo a qual a atividade jurisdicional é ininterrupta.
Sempre com o devido respeito, a assertiva parte de premissa discutível e se afasta do que é razoável no cotidiano de quem milita na área contenciosa, segundo regra de experiência comum.
Suspensão de prazo por força de lei não significa interrupção da atividade do Judiciário. Pelo contrário, em períodos como tais, é possível até mesmo – desde que haja vontade para tanto – que as atividades internas do Judiciário ganhem em quantidade e qualidade. Todos querem uma Justiça célere. Mas, imaginar que os problemas de morosidade possam ser causados por suspensão em período do ano usualmente empregado pelo homem médio para justa comemoração e descanso é um equívoco evidente. A nova proposta desconsidera, por exemplo, a experiência de São Paulo, em que o Tribunal de Justiça, atende a justos reclamos e, por ato administrativo, estabelece suspensão em período semelhante (um tanto mais curto, é fato).
Assim, a proposta deve ser repensada porque é injusta e irreal. Talvez o período de suspensão possa até ser reduzido. Mas, é preciso que exista um período de recesso (via suspensão de prazos e de audiências) que, repita-se, não representará denegação de Justiça (até porque situações urgentes sempre foram e continuarão a ser atendidas em regime de plantão).
O terceiro ponto diz com a proposta de reintrodução da ação monitória, que fora – corretamente, por sinal – excluída pelo Projeto.
Com efeito, dentro do sistema pensado para a antecipação de tutela, especialmente pela assim denominada “tutela de evidência”, tanto mais com o acréscimo do rol de títulos executivos extrajudiciais, não há utilidade relevante na adoção da monitória. A proposta de ampliação para admitir a formação do título a partir inclusive de prova testemunhal é, mais uma vez com o máximo respeito, um equívoco e gera o risco de simplesmente esvaziar o interesse para o procedimento comum; ou, como dito, sobrepor-se simplesmente ao modelo pensado para a tutela antecipada fundada em prova já constituída.
Autor: Flávio Luiz Yarshell (Carta Forense)
Um Forte Abraço.
Rafael Menezes
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