A arbitragem, atualmente regulada no Brasil, através da Lei n. 9.307/96, já foi conceituada como “um mecanismo privado de solução de litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelas partes” (Carlos Alberto Carmona).
As pessoas escolhidas pelas partes para proferirem decisões com o mesmo conteúdo e a mesma força das sentenças judiciais, são indicadas, em razão da confiança ética e técnica que ostentam. E este talvez seja a maior das suas características: a esoclha do julgador(es),
A arbitragem envolve dois institutos distintos: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Aquela é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato (art. 4, Lei 9.307/96). Já o compromisso arbitral se revela como sendo o acordo através do qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (art. 9, Lei 9.307/96)
A utilização do instituto da arbitragem tem crescido nos últimos anos, sobretudo, nos conflitos envolvendo grandes empresas, porque tem demonstrado os seguintes benefícios práticos:
autonomia da vontade das partes;
a escolha da lei aplicável;
a indicação do local da arbitragem;
a determinação do tempo necessário para terminar a controvérsia;
a informalidade, flexibilidade e celeridade do procedimento;
a confidencialidade;
a transparência do procedimento, em todas as suas fases;
a imparcialidade dos árbitros, resguardando a indispensável segurança jurídica;
amplo e irrestrito direito de defesa;
a decisão arbitral produz, os mesmos efeitos da sentença judicial;
maior disponibilidade de tempo dos árbitros.
Discute-se, em sede doutrinária, se a arbitragem teria função jurisdicional ou seria o que se denominou chamar um “equivalente jurisdicional”. Os que defendem a sua natureza jurisdicional indicam que uma vez a arbitragem declara o direito aplicável ao caso concreto, não há como não reconhecer sua jurisdicionalidade (Carlos Alberto Carmona).
Por outro lado, os que sustentam uma natureza contratualista para a arbitragem e, portanto, não-jurisdicional, afirmam que os litigantes, utilizando-se da autonomia da vontade, pactuam no sentido de que a controvérsia que os envolve, e, consequentemente seus respectivos direitos disponíveis, serão analisados e decididos por um os mais julgadores, por eles escolhidos, não integrantes da jurisdição estatal.
Registre-se que, embora muito presente e atual a discussão acerca da natureza jurídica da arbitragem, constata-se que a maioria doutirnária filia-se à corrente que entende ser jurisdicional a natureza jurídica da arbitragem, sobretudo, em razão da natureza pública de sua finalidade.
As repercussões por uma ou outra corrente, não são desprezíveis, emergindo, por exemplo, no campo recursal, nas exigências de um juiz natural, por exemplo.
A arbitragem, a mim, parece ser melhor enquadrada como um alternative dispute resolution (ADR), meio alternativa de disputas, não jurisdicional e, portanto, não submetido às regras específicas (juiz natural, duplo grau de jurisdição, p. ex.) atinentes à jurisdição e, talvez, dái decorram seus maiores benefícios, atualmente.
De qualquer sorte, o que não se pode admitir é que a arbitragem seja arbitrariamente, sem nenhum trocadilho, imposta, porque isso sim, representaria uma indevida limitação de acesso à função jurisdicional do Estado.
Aliás, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do RESP 1168941, Relatora a Min. Nancy Andrighi, entendeu ser nula a adoção prévia e compulsória da arbitragem em contratos de adesão, mesmo de compra e venda de imóvel, consignando, ainda, que a previsão do CDC não conflita com as disposições da Lei de Arbitragem.
O art. 4, 2o. da Lei de Arbitragem, em confronto com o inciso VII do artigo 51 do CDC, teria uma incompatibilidade apenas aparente, sendo resolvida com a especialidade das regras. Assim, a Lei de Arbitragem trataria nesse dispositivo apenas dos contratos de adesão genéricos, prevalecendo a norma do CDC em relações de consumo, mesmo que de adesão.
“Na realidade, com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes; a regra específica, aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e a regra ainda mais específica, incidente sobre contratos sujeitos ao CDC, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei 9.307”, esclareceu.
Nada impede, é importante ressaltar, como fez a relatora, a utilização da arbitragem par a asolução de conflitos decorrentes das relações consumeristas, “O CDC veda apenas a utilização compulsória da arbitragem, o que não obsta o consumidor de eleger o procedimento arbitral como via adequada para resolver eventuais conflitos surgidos frente ao fornecedor”.
Superada, há muito, a tese de que a arbitragem representaria um atentado à inafastabilidade da prestação jurisdicional, tem-se atualmente que ela representa um importante mecanismo de solução de conflitos, paralelo`à jurisdição.
A dinâmica e a complexidade das relações interpressoais exigem que os artífices do direito busquem soluções adequadas para cada situação específica, buscando prevenir e resolver os litígios entre as partes. “Parece claro que dificilmente um sistema de solução de controvérsias padrão atenderá de forma adequada as necessidades de cada um desses conflitos” (Fabiano Cavalcanti).
A adequação de procedimentos, para melhor tutelar direitos, já indicada por Mauro Cappelleti como um dos aspectos de acesso à justiça (Terceira Onda Renovatória de Acesso à Justiça), também tem aplicação a procedimentos não jurisdicionais, ou, para aqueles que enxergam o caráter jurisdicional, procedimentos não conduzidos protagonizados pelo Poder Judiciário, que visem solucionar litígios, como se tem presente no instituto da arbitragem.
Rafael Menezes
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