RELEMBRANDO A AULA SOBRE LITISCONSÓRCIO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO


Vamos conversar, então, sobre litisconsórcio.

Como o próprio nome sugere, o tema refere-se a um consórcio de partes. De maneira geral, o litisconsórcio refere-se ao fato de, em um mesmo processo, haver mais de um sujeito em um, ou em ambos, os pólos da relação processual. Ou seja, em um mesmo processo pode haver mais de um autor, mais de um réu. Vários autores litigando contra um mesmo réu, um autor contra vários réus, ou mesmo, vários autores e vários réus.

Podem ser destacados dois principais motivos para a existência do litisconsórcio: economia processual (custos do processo divididos entre todos os participantes) e segurança jurídica através da harmonização de decisões (evitar decisões conflitantes sobre o mesmo fato). Não é benéfico ao ordenamento que do mesmo fato haja conclusões judiciais divergentes.

A Lei Processual Civil ao tratar do litisconsórcio não delimitou o número de litigantes, que podem unir-se em litisconsórcio. Contudo, sabe-se que o número excessivo de litigantes, em um mesmo processo, pode, ao revés de proporcionar eficiência processual, entregar uma prestação jurisdicional mais demorada.

Por esta razão, o Código permite que o magistrado limite o número de litisconsortes, para não haver comprometimento da eficiência processual. Imagine um processo com 1.000 réus? Quantas citações seriam realizadas? Quantas intimações? Quantos quesitos aos peritos? Prazos diferenciados…

Quando o número excessivo de litigantes puder comprometer o bom andamento processual, tem-se o chamado litisconsórcio multidudinário.

Art. 46. Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.

Só pode haver essa limitação no caso de litisconsórcio facultativo (quando a lei não obriga que os litigantes estejam juntos no mesmo processo).

Tal situação pode ser conhecida ex officio

 

TERCEIRA PARTE

Um ponto de extrema importância teórica e prática sobre o tema é a classificação do litisconsórcio.

Quanto à posição do litisconsórcio, pode haver litisconsórcio ativo (vários autores), passivo (vários réus) e misto (vários autores e vários réus).

Quanto ao momento de formação, pode ser inicial (quando se apresenta na petição inicial) ou ulterior (posteriormente à propositura da demanda).

Imagine uma hipótese de litisconsórcio necessário (exigido pela lei ou pela natureza da relação jurídica) e o autor não observa esta regra, ou seja, não requer a citação de todos os litisconsortes passivos necessários. Neste caso, o juiz determinará, sob pena de nulidade, a inclusão do(s) outro(s) sujeito(s) no processo e, haverá aí, um típico caso de litisconsórcio posterior.

Pode haver outros casos de formação posterior do litisconsórcio:

ü  Sucessão processual, no caso de morte do titular do direito, em que os herdeiros poderão integrar e lide na condição de litisconsortes

Art. 43. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 265.

ü  Nas hipóteses de “chamamento ao processo”

ü  Reunião de processos com partes diferentes

Art. 105. Havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente.

 

Importante observar que o litisconsórcio ulterior representa uma exceção ao Princípio da Perpetuatio Jurisdiccionis, previsto no art. 264, do CPC (Art. 264. Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei).

Uma pergunta que divide a doutrina e que é plano fértil de várias discussões acadêmicas, refere-se a saber se a formação de litisconsórcio facultativo ulterior ofende o Princípio do Juiz Natural? Ilustrando, Fredie Didier e Cândido Rangel Dinamarco possuem visões distintas acerca do tema.

Fala-se na doutrina em um litisconsórcio iussu iudicis, que se refere à iniciativa do juiz para determinar ou propor a formação do litisconsórcio, como ocorre nas hipóteses da Lei de Ação Popular, Código de Defesa do Consumidor (intimação das vítimas do dano coletivo), ou na hipótese do art. 952, do CPC que possibilita ao condômino isoladamente propor ação de demarcação, mas exige a citação de todos os demais condôminos, que virão a integrar o processo.

Quanto ao conteúdo da decisão, o litisconsórcio pode ser simples ou unitário. O litisconsórcio simples dá-se quando a decisão proferida no processo não tiver, necessariamente, de ser homogênea (ter o mesmo efeito) para todos os litisconsortes.

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.

 

No exemplo do art. 942, do Código de Processo Civil, a decisão que reconhecer a prescrição aquisitiva pode ter conteúdo e efeitos diversos para os diferentes confinantes. Um deles pode ser mais prejudicado que o outro, por exemplo.

No litisconsórcio unitário, a decisão proferida precisa ser homogênea em relação aos litisconsortes (decidir de igual forma para todos). È o que ocorre, por exemplo, em uma ação de nulidade de casamento. Não poderia a sentença anular o matrimônio para um cônjuge e, considerá-lo válido, para o outro.

Por fim, dentre as principais classificações, fala-se em litisconsórcio facultativo e litisconsórcio necessário, relativamente à obrigatoriedade ou não de formação do litisconsórcio.

Será necessário o litisconsórcio, quando a lei ou a natureza da relação jurídica material exigir a presença de todos os litisconsortes, em um dos pólos da relação processual, sob pena de ineficácia (ou nulidade, para alguns autores) da decisão proferida.

ü  Ação de Usucapião

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.

ü  Ações Reais Imobiliárias

Art. 10. § 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: I – que versem sobre direitos reais imobiliários;

II – resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles;

III – fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados;

IV – que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.

§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados

ü  Ação Pauliana

ü  Objeto litigioso indivisível

Ação Reivindicatória

 

 

A ineficácia só será afastada caso o litisconsorte ausente, posteriormente anuir com o que decidido.

Ao contrário do que possa parecer, à primeira vista, decorrente de uma leitura isolada do art. 47, do CPC, não há uma obrigatoriedade de que o litisconsórcio unitário seja também necessário.

Ademais, a doutrina, de maneira quase unânime, aponta haver um erro na redação do art. 47, que teria mesclado indevidamente os conceitos de litisconsórcio unitário e necessário.

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

 

 

Por exemplo, no caso do condômino, quando o condômino atua na condição de legitimado extraordinário (atuando, em nome próprio, na defesa de direito que não lhe é exclusivo)

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

 

Da mesma forma, não há necessariamente obrigatoriedade do litisconsórcio necessário ser unitário. É o que ocorre, por exemplo, nas ações de usucapião, em artigo já citado, em que pode haver decisão com efeitos diversos para os vários réus do processo.

Há, ainda, casos de litisconsórcio unitário e facultativo, como ocorre nas ações reivindicatórias de coisa comum e nas ações que visam dissolução de sociedade.

A solidariedade não implica unitariedade necessariamente. Podem ser simples (divisível) e unitário (indivisível).

O litisconsórcio facultativo, por sua vez, será aquele cuja formação não é imposta por lei, mas é uma opção do litigante.

Art. 6. § 3º A pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

§ 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular. (Lei de Ação Popular)

 

Quarta Parte

Vista a classificação do litisconsórcio, convém recordar as hipóteses de cabimento do litisconsórcio facultativo, que vem previstas no art. 46, do CPC:

 

Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;

ü  Pluralidade de partes na relação de direito material

ü  Dívida solidária (art. 264, do CC/02)

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

 

II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito;

Nesta hipótese, não haveria relação material direta entre os litisconsortes

ü  Abalroamento de veículos

ü  Anulação de uma cláusula contratual

ü  Dois licitantes e anulação do certame

 

III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir;

ü  Condôminos e anulação de uma assembléia

 

IV – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.

ü  Reunião de contribuintes contra uma multa ou tributo

ü  Reunião de consumidores lesados pelo mesmo produto defeituoso

 

 

Observa-se que, embora a formação do litisconsórcio facultativo, seja uma opção do litigante, não se trata de uma opção livre. Estará sempre adstrito às hipóteses legais, que permitem a formação do litisconsórcio. Não é toda situação em que se permitirá a formação do litisconsórcio. É preciso haver, sintetizando as lições do Professor Dinamarco, comunhão, conexidade e afinidade, em síntese, autorização legal.

 

Quinta Parte

Em relação à atuação dos litisconsortes, cada um será considerado, em regra, como parte autônoma, nos termos do art. 48 do Código de Processo Civil, em se tratando de litisconsorte facultativo:

 

Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros.

 

Art. 49. Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo e todos devem ser intimados dos respectivos atos.

 

Art. 350. A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes.

Parágrafo único. Nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro

 

Esta regra geral, contudo, como prevê o próprio início do dispositivo, suporta algumas exceções, desde que estejam previstas em lei:

 

Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:

I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

ü  Aplicação integral ao litisconsórcio unitário

ü  Aplicação restrita ao litisconsórcio simples: somente beneficia o litisconsórcio omisso se houver na defesa matéria que o aproveite.

 

Art. 509. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

 

Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas opostas ao credor Ihes forem comuns.

ü  Aplicação integral ao litisconsórcio unitário

 

Produção de Prova: comunhão de provas

 

Prazos Processuais

ü  Pluralidade de patronos = prazo em dobro (art. 191, CPC)

ü  Súmula 641/STF

 

De forma geral, em relação aos atos de disposição do direito, estes, no litisconsórcio simples, só atinge quem os praticou. No unitário, os atos são ineficazes, se não houver o consentimento dos outros.

 

Sexta Parte – Alguns Questionamentos

Fala-se, ainda, em sede doutrinária, em litisconsórcio alternativo para designar os casos em que, havendo incerteza sobre titularidade do objeto litigoso, como exemplifica o Professor Araken de Assis, o autor possa nomear dois litisconsosrtes, como réus, mas apenas um deles sofrerá os efeitos da decisão, como ocorre nas hipóteses de consignação em pagamento.

 

Art. 895. Se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o pagamento, o autor requererá o depósito e a citação dos que o disputam para provarem o seu direito.

 

 

Meus amigos, seria possível cogitar-se em litisconsórcio ativo necessário? Seria possível que a lei condicionasse a propositura de uma ação à presença de mais de um autor? E se o co-legitimado se recusasse? Mais: seria possível obrigar alguém a litigar?

Entendo que a resposta é negativa.

O direito de provocar a atividade jurisdicional não pode ficar subordinado à vontade de outra pessoa. Tanto que, mesmo nas hipóteses do art. 10, do CPC, em que se exige a autorização marital ou a outorga uxória, a recusa desta autorização pode ser suprida judicialmente.

Parece-me que, ainda quando o CPC-73 exigir a presença de litisconsortes no pólo ativo da demanda, como acontece no caso da propositura de Ação Rescisória, a não participação de um dos legitimados, não impede o prosseguimento ou a propositura da demanda, devendo o juiz determinar a intimação destes para que componham a lide e, em sendo legitimados passivos, a ausência geraria a revelia deste e, sendo legitimado ativo, a sua ausência/inércia conduziria, em razão do diálogo das fontes, submissão ao que decidido, secundum eventu litis.

Anote-se que o Prof. Dinamarco faz menção à Ação Redibitória com diminuição de área, como exemplo de um litisconsórcio ativo necessário.

É possível a formação de litisconsórcio ulterior, quando este é facultativo? STJ = não; Doutrina: sim; Mandado de Segurança (art. 10, 2o., Lei 12.016/2009).

Forte Abraço!

Prof. Rafael Menezes

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