O atual Código de Processo Civil seguiu as lições de Enrico Tullio Liebman (Primeira Edição de seu Manual de Direito Processual Civil) e adotou a Teoria Eclética da ação, segundo a qual, de forma sucinta, o direito de ação seria abstrato, desvinculado do direito material e do resultado obtido ao final do processo, e diria respeito ao direito de obter um provimento jurisdicional sobre o mérito, favorável ou não (procedente ou improcente) aos interesses do autor.
Contudo, este direito de ação não seria universal.
Para ser titular do direito de ação (direito a receber um provimento jurisdicional de mérito), o postulante deve demonstrar que sua pretensão (res in judicium deducta) apresenta certos requisitos, que são as condições da ação e que, portanto, está apta a ter o mérito analisado através do exercício da jurisdição. Só haveria direito de ação, de acordo com a Teoria de Liebman, se houvesse um provimento de mérito.
Esta é a teoria positivada no processo civil brasileiro, embora atualmente, proceda-se a uma releitura das condições da ação, para, segundo Barbosa Moreira, compreender as mesmas, não como requisitos para existência do direito de ação, mas sim como requisitos para o exercício legítimo deste direito, que existiria, ainda que as condições da ação estivessem ausentes. E, ainda, quando a sentença fosse terminativa (extinção sem resolução do mérito).
Primeiramente, Liebman elencou três condições da ação:
a) legitimidade das partes;
b) interesse de agir; e
c) possibilidade jurídica do pedido.
Posteriormente, na 3a. Edição de seu Manual, modificou seu entendimento e passou a considerar que a posibilidade jurídica do pedido não mais estava incluída como uma condição da aação autônoma. Estaria inclusa no interesse de agir.
Apesar da mudança de pensamento de Liebman, o Código de Processo Civil continuou a considerar a possibilidade jurídica do pedido como uma das condições da ação. E sua ausência impede que o mérito da ação posta em juízo seja analisado, ocasionando a extinção anômala do processo, como se observa do art. 267, VI, do Código de Processo Civil:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:
VI – quando não ocorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual
Em sede doutrinária já se conceituou a possibilidade jurídica do pedido como a “conformidade do pedido com o ordenamento jurídico” (Leonardo Greco).
Em sede jurisprudencial, já se conceitou esta condição da ação como “a admissibilidade em abstrato da tutela pretendida, vale dizer, na ausência de vedação explícita no ordenamento jurídico para a concessão do provimento jurisdicional” (STJ. REsp 254.417/MG, DJ de 02.02.2009)”
Apesar da possibilidade jurídica do pedido figurar como uma autônoma condição da ação, nem sempre é fácil compreender esta condição da ação, como distinta do interesse de agir (interesse-utilidade), já que “se houvesse uma proibição legal em relação a um pedido, não haveria interesse processual uma vez que qualquer provimento, nesta situação, seria inútil”, como defende Guilherme Calmon Nogueira da Gama, e contribuiria apenas para uma não economia processual e neste mesmo soar assim restou asseverado:
Separar a possibilidade jurídica do pedido do mérito da causa, da mesma forma, parecia estranho, já que somente após analisar os fatos postos, poder-se-ia chegar à conclusão de que o pedido não estava albergado pelo ordenamento. E isto era ultrapassar a análise superficial (Teoria da Asserção) que se faz quando da análise das condições da ação. Estava-se tratando de mérito da causa.
O Projeto do Novo Código de Processo Civil adotou o posicionamento atualizado de Liebman e excluiu do elenco das condições da ação, a possibilidade jurídica do pedido, como se pode observar da proposta dos dispositivos seguintes:
Art. 16. Para propor a ação é necessário ter legitimidade e interesse.
Art. 467. O juiz proferirá sentença sem reoslução do mérito quando:
I- indeferir a petição inicial;
VI- o juiz verificar ausência de legitimidade ou interesse processual
Art. 315. A petição inicial será indeferida quando:
II- a parte for manifestamente ilegítima
III- o autor carecer de interesse processual
De acordo com a Exposição de Motivos do Projeto do Novo Código de Processo Civil, a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar o mérito da causa, segundo manifestação da Comissão de Juristas responsável pela reforma da Lei Processual:
Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e, atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia.
Excluir a possibilidade jurídica do pedido do rol das condições da ação, significa trazer maior estabilidade as relações sociais, tendo em vista que, verificado que o pedido não se conforma ao ordenamento jurídico, haverá uma sentença de improcedência do pedido. Uma sentença de mérito, que tende à formação da coisa julgada material. E que, por consequencia, impede a rediscussão da matéria. É melhor para os sujeitos processuais que suas pretensões sejam resolvidas definitivamente, a fim de evitar reiteradas rediscussões daquilo que já se sabe não autorizado pelo ordenamento e isto contribui a um só tempo para a economia processual (evitando-se a repetição de causas) e para a pacificação social.
Rafael Menezes
Muito legal o seu artigo. Estava procurando algo sobre impossibilidade jurídica e alguns artigos do cpc relacionados.Parabéns.
Parabéns! Texto claro, objetivo e atualizado, pois na doutrina que consultei não faz referência aos artigos do novo CPC.
Republicou isso em Grodrigues.
Parabéns. Embora pequeno, é bastante rico em conteúdo.